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Comprovação da divergência jurisprudencial no recurso especial

Dando continuidade às discussões sobre os requisitos de admissibilidade  e as hipóteses de cabimento dos recursos excepcionais, conforme já abordado em artigos anteriores, neste estudo, trataremos da comprovação da divergência jurisprudencial no recurso especial. 

Ao interpor um recurso especial, um dos pressupostos específicos de admissibilidade do recurso é que a parte recorrente demonstre a existência de uma questão federal controvertida. No caso da interposição com base no artigo 105, III, “c”, da Constituição Federal, a questão federal controvertida é a existência de interpretações divergentes, dadas por tribunais diversos, acerca de um mesmo dispositivo de lei federal.

Sob essa ótica, a finalidade imediata do recurso especial interposto com base no artigo 105, III, “c”, da Constituição Federal é a uniformização interpretativa acerca de um mesmo dispositivo de lei federal, tendo por escopo a preservação da ordem pública, no que diz respeito à manutenção da unidade do ordenamento jurídico, bem como a manutenção da segurança das relações jurídicas. 

Existindo interpretações diferentes, de uma mesma norma, federal, segue o papel do Superior Tribunal de Justiça de fixar a exegese apropriada à lei.

Como a alínea “c” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal se refere a uma hipótese de cabimento de recurso especial contra uma decisão (a decisão recorrida) por existência de interpretação divergente em comparação a outra decisão (decisão paradigmática), dada por outro Tribunal, a uma lei federal, é necessário então que o recorrente aponte, nas razões do recurso especial, o dispositivo de lei federal violado pela decisão recorrida. Ou seja, a parte recorrente precisa apresentar, nas razões do recurso especial, a divergência jurisprudencial em relação ao dispositivo de lei federal apontado como violado. 

O não apontamento do dispositivo legal tido por violado, nas razões do recurso especial interposto com base na alínea “c”, significa insuficiência de fundamentação do recurso, que, por isso, se torna passível de não conhecimento com base na aplicação, por analogia, da Súmula n.º 284 do STF.

Também cabe registrar que nem mesmo o recurso especial interposto com fulcro na alínea “c” prescinde de prequestionamento, que consiste na manifestação, pela instância a quo, sobre a matéria objeto de divergência. A exigência do prequestionamento, nesses casos, é necessária inclusive para se verificar a similitude fática e o conflito de tese jurídicas entre os acórdãos recorrido e paradigma. 

Dito isso, a comprovação da divergência jurisprudencial no recurso especial deve seguir diretrizes específicas, conforme estabelecido pelo art. 255 do Regimento Interno do STJ e pelo art. 1.029, §1º, do CPC, que assim dispõem: 

Art. 255. O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na legislação processual vigente e recebido no efeito devolutivo, salvo quando interposto do julgamento de mérito do incidente de resolução de demandas repetitivas, hipótese em que terá efeito suspensivo. 
§ 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
[…]
§ 3º São repositórios oficiais de jurisprudência, para o fim do § 1º deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista do Tribunal Federal de Recursos e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento.

Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
[…]
§ 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

Esses dispositivos exigem que o recorrente indique, de forma clara, os acórdãos que sustentam a divergência, devendo apresentar uma fundamentação adequada e citar as decisões divergentes.

No recurso aviado por dissídio jurisprudencial, o acórdão paradigma é o acordão divergente e preexistente ao acórdão recorrido.  Este, inclusive, pode ser do próprio STJ. Acórdãos do STF, entretanto, que tratem de matéria constitucional, não se prestam à função de acórdão paradigma, para fins de comprovação de dissídio pretoriano, pois a finalidade precípua do recurso especial, pela alínea “c”, é uniformizar a interpretação em torno de legislação federal infraconstitucional. De igual forma é com acórdão oriundo do próprio Tribunal prolator do acórdão recorrido, o que atrai a incidência da Súmula n.º 13 do STJ, segundo a qual “a divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial”.

De todo modo, caso a decisão que será hostilizada por REsp esteja de acordo com o entendimento já firmado pelo STJ, o recurso não será admitido. É o que dispõe a Súmula n.º 83 do STJ:  “Não se conhece de recurso especial pela divergência quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”.

Com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente, para a comprovação do dissídio é essencial que a parte recorrente realize o cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma, que exige, além da transcrição de trechos dos julgados confrontados, a demonstração das circunstâncias identificadoras da divergência, com a indicação de existência de similitude fática e identidade jurídica entre o acórdão recorrido e o(s) acórdão(s) paradigma(s). 

Ainda, devem ser juntadas as certidões ou as cópias autenticadas dos acórdãos divergentes na íntegra, ou seja, em seu inteiro teor, observados os repositórios autorizados ou credenciados. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que a simples transcrição de ementas e trechos de julgados não é suficiente para caracterizar o cotejo analítico, uma vez que requer a demonstração das circunstâncias identificadoras da divergência entre o caso confrontado e o aresto paradigma, mesmo no caso de dissídio notório.

O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais impede o conhecimento do REsp, com base na alínea “c” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. 

Por tudo quanto dito, a alínea “c” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal tem como propósito superar desconformidades quanto à jurisprudência entre os Tribunais. A par disso, o cumprimento dos requisitos para a comprovação da divergência jurisprudencial no recurso especial é fundamental para a admissibilidade do apelo pelo Superior Tribunal de Justiça. 

Autora: 

Beatriz Bellinaso 

Advogada. Sócia do escritório Simpliciano Fernandes & Advogados. Atua principalmente em Tribunais Regionais do Trabalho e nos Tribunais Superiores. Inscrita na OAB/DF 73.851.

Bibliografia:

1.REsp 1.793.671/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 12.3.2019; REsp 1.195.328/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 13.3.2018; AgInt no AREsp 1.114.694/PE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 6.3.2018; AgInt no REsp 1.698.513/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 8.3.2018; AgRg no AREsp 609.943/MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 8.3.2018; AgInt nos EDcl no AREsp 790.608/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 27.2.2018.

2. AgInt no REsp: 1956329, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 25.11.2021

3.  AgRg no REsp 587325, Rel. min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJU 23/05/2005.

4. AgInt no REsp 1.794.469/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.6.2019; AgInt no AREsp 1.336.834/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 17.12.2018; AgInt no AREsp 1.009.012/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 25.9.2017.

5. AgInt no AREsp n. 1.242.167/MA, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 5/4/2019

6. AgInt no REsp n. 1.903.321/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 16/3/2021, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.849.315/SP, relator Ministro Marcos Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 1º/8/2020; AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp n. 1.617.771/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 13/8/2020; AgRg no AREsp n. 1.422.348/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 13/8/2020.

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