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Prequestionamento e matéria de ordem pública no recurso de revista

Em artigos anteriores abordamos os aspectos conceituais do prequestionamento nas instâncias extraordinárias. Especificamente quanto ao recurso de revista, foram demonstradas as particularidades desse requisito em atenção à legislação vigente, à jurisprudência dominante no âmbito do TST e à doutrina processual trabalhista. 

Já dissemos antes que se tem por prequestionada a matéria sobre a qual a instância recorrida emitiu pronunciamento. Porém, há exceções à essa regra, como por exemplo, os fatos que independem de prova, aqueles cujos quais o julgador pode considerá-los presentes na lide, ainda que não exista comprovação explícita. 

Dando continuidade aos estudos acerca do prequestionamento, este artigo analisará tal requisito frente às questões de ordem pública no processo de trabalho. 

As questões de ordem pública são aquelas que ultrapassam os interesses particulares dos litigantes. Estão ligadas às condições da ação e aos pressupostos processuais de validade e prosseguimento da ação que possam impedir o julgamento do mérito da causa. 

Nessa linha são as lições de Candido Rangel Dinamarco (2004, p. 69-70):

São de ordem pública (processuais ou substanciais) referentes a relações que transcendam a esfera de interesses dos sujeitos privados, disciplinando relações que os envolvam mas fazendo-o com atenção ao interesse da sociedade, como um todo, ou ao interesse público. Existem normas processuais de ordem pública e outras, também processuais que não o são.
Como critério geral, são de ordem pública, as normas processuais destinadas a assegurar o correto exercício da jurisdição (que é uma função pública, expressão do poder estatal), sem a atenção centrada de modo direto ou primário nos interesses das partes conflitantes.
Não o são aquelas que tem em conta os interesses das partes em primeiro plano, sendo relativamente indiferente ao correto exercício da jurisdição a submissão destas ou eventual disposição que venham a fazer em sentido diferente”.

Assim, considerando a prevalência do interesse público sobre o privado, o que se tem é que as questões de ordem pública interferem na formação e prosseguimento da ação.  

Mas, afinal, quais são as matérias de ordem pública? No processo do trabalho, exige-se que haja o prequestionamento sobre elas?

De um modo geral, os julgadores consideram como sendo de ordem pública as questões relacionadas aos requisitos necessários ao regular trâmite do processo, tendo maior evidência a competência, a prescrição, o cerceio de defesa, a tempestividade e a correção monetária.

Ambas são matérias que podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz em qualquer grau e não estão sujeitas à preclusão. 

Inobstante as características elencadas acima, o TST vem se posicionando no sentido de que em sede de recurso de revista há a necessidade de prequestionamento mesmo para as discussões em que envolvam matéria de ordem pública, dada a natureza extraordinária deste recurso. 

A Orientação Jurisprudencial nº 62 da SBDI-I do TST, por exemplo, dispõe, com relação à incompetência absoluta, que “É necessário o prequestionamento como pressuposto de admissibilidade em recurso de natureza extraordinária, ainda que se trate de incompetência absoluta.”

Nesse sentido, é o seguinte acórdão da SBDI-I do TST:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO INTERNO. RECURSO DE REVISTA. (IN) COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ADI Nº 3.395. EMPREGADO PÚBLICO. FUNDAÇÃO CASA/SP. AUSÊNCIA DE EMISSÃO DE TESE PELO REGIONAL A RESPEITO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA APRECIAR A CAUSA. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OJ Nº 62 DA SBDI-I DO TST. EMBARGOS PROVIDOS. I. O prequestionamento é pressuposto de admissibilidade do recurso de revista, e, conforme preconiza a Súmula nº 297, I, do TST, ” diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito “. Ainda que a questão trazida no recurso seja de ordem pública, é necessário que ela tenha sido tratada pelo Tribunal de origem, como demonstra a OJ nº 62 da SBDI-1/TST: ” é necessário o prequestionamento como pressuposto de admissibilidade em recurso de natureza extraordinária, ainda que se trate de incompetência absoluta “. II. No caso dos autos, ao negar provimento ao recurso de agravo interno do reclamante, mantendo a decisão unipessoal que reconheceu, de ofício, a incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento da causa, a Turma Julgadora adotou o posicionamento de que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 3.395/DF, reconheceu o critério ratione personae para a fixação da competência nos julgamentos das lides entre servidores e o Poder Público, de modo que a adoção do regime celetista para contratação de pessoal ou a índole trabalhista das verbas pleiteadas não tem o condão de alterar a competência da Justiça Comum para apreciar a demanda. O aresto carreado, por sua vez, consubstanciado no RR 17252-33.2013.5.16.0020, oriundo da 6ª Turma do TST, adotou tese diametralmente oposta à fixada pela Turma Julgadora ao registrar que ” malgrado a existência de alguma interpretação equivocada acerca do alcance da decisão proferida na ADI 3395-6/DF, está claro que o STF fixou critério objetivo para determinar a competência material desta Justiça Especializada, conforme a natureza do vínculo estabelecido entre o trabalhador e o Poder Público “. Assim, constata-se que a parte logra demonstrar divergência jurisprudencial válida em relação ao tema, pressuposto de admissibilidade inerente aos embargos de divergência, previsto no art. 894, II, da CLT. III. De detida análise dos autos, verifica ser incontroverso que o reclamante foi contratado por ente público, “Fundação Casa/SP”, sob o regime jurídico celetista, através de concurso público. Observa-se, também, que o Tribunal Regional não emitiu tese a respeito da competência da Justiça do Trabalho para apreciar a causa, tampouco as partes, em sede de embargos de declaração , suscitaram tal questão de ordem pública. IV. Esta SBDI-1, por ocasião do julgamento dos embargos de divergência E-Ag-ARR-11494-55.2017.5.15.0022 e E-Ag-RR-10299-35.2017.5.15.0022, envolvendo o mesmo tema de fundo, firmou o entendimento de que, não havendo a emissão de tese no acórdão regional acerca da competência da Justiça do Trabalho, não cabe a Turma Julgadora, de ofício, examinar a questão, por ausência de prequestionamento, em razão da incidência da Orientação Jurisprudencial nº 62 da SBDI-1/TST. V. Nesse contexto, impõe-se o conhecimento e provimento dos embargos de divergência para, afastando a declaração de incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento da causa, determinar o retorno dos autos à 4ª Turma do TST, a fim de que prossiga no exame do feito , como entender de direito, e, por consequência, excluir da condenação a multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, aplicada pela Turma Julgadora em razão da improcedência do agravo interno em recurso de revista à unanimidade de votos. VI. Embargos conhecidos e providos” (E-ED-Ag-RR-11268-41.2016.5.15.0101, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 03/11/2023).

Quanto à prescrição, a Súmula nº 153 do TST disciplina que “Não se conhece de prescrição não arguida na instância ordinária”, pelo que se infere que também há a necessidade de prequestionamento em relação à prescrição, que deve ocorrer, no máximo até as contrarrazões do recurso ordinário (RR: 1214720105090666, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 17/11/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: 19/11/2021).

Com relação à correção monetária, a 2ª Turma do TST, em recente julgado (DEJT 22/03/2024)  de relatoria de Exma. Ministra Liana Chaib, proferido nos autos de nº Ag-RRAg 225-83.2020.5.14.000, compreendeu que o recurso de revista interposto não comporta processamento quanto ao tema “em face da ausência de prequestionamento, cabendo salientar que, ainda que se trate de matéria de ordem pública, deve haver necessariamente o preenchimento desse pressuposto de admissibilidade do recurso de revista, em virtude de sua natureza de apelo extraordinário”. 

O mesmo entendimento é aplicado quando se alega intempestividade de recurso interposto perante as instâncias ordinárias, sendo necessário que tenha havido o prequestionamento da matéria nas instâncias anteriores (Ag-AIRR-10259-80.2023.5.03.0150, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 10/05/2024). 

À vista do exposto, o que se conclui é que é imprescindível a existência do prequestionamento, mesmo que ficto, quando suscitada matéria de ordem pública no recurso de revista, em atenção à sua natureza extraordinária. A alegação da matéria deve ocorrer, no máximo, até o recurso ordinário ou as contrarrazões ao recurso ordinário. 

Lorena Batista Teixeira

Advogada. Sócia do escritório Simpliciano Fernandes & Advogados. Atua principalmente no Tribunal Superior do Trabalho e em Tribunais Regionais do Trabalho do país. Possui experiência em sustentação oral e despacho de memoriais. Atua na primeira instância, acompanhando audiências em varas do trabalho.

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