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O prequestionamento no STF e no STJ

No artigo anteriormente publicado em nosso site, esclarecemos sobre os aspectos gerais que viabilizam a exata compreensão das hipóteses de cabimento dos recursos de natureza extraordinária. Partindo daquela leitura, portanto, não há dúvidas de que os recursos excepcionais, dirigidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), possuem requisitos de admissibilidade próprios.

Dentre os conceitos fundamentais, podemos ressaltar o do prequestionamento. Qual a relevância deste requisito para a admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário nos Tribunais Superiores? É o que se propõe explorar neste artigo.

Essencialmente, a exigência do prequestionamento significa que a questão de direito veiculada no recurso, destinada a Tribunal Superior, tenha sido previamente decidida no julgado recorrido. Somente há prequestionamento, capaz de levar ao processamento dos recursos extremos, quando a questão já tiver sido controvertida e decidida na Instância Inferior. Essa exigência é derivada da expressão causa decidida e tem previsão nos artigos 102, III, e 105, III, da Constituição Federal, que estabelecem as competências do STF e do STJ.

Ao revés, a ausência de prequestionamento resulta no não conhecimento do recurso pelo STF ou pelo STJ. Isso ocorre porque se a questão não tiver sido decidida no Tribunal de Origem, não haverá configuração de nenhuma das hipóteses de cabimento – a exemplo, relativamente ao recurso extraordinário, de violação (alínea “a” do art. 102, III, da CF), de declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal (alínea “b” do art. 102, III, da CF)– a ser analisada pelos Tribunais Superiores.

Sem prévia decisão, não há como estabelecer em que medida as normas foram ou deixaram de ser violadas pela decisão recorrida. É dizer, não se pode inovar em sede de recurso especial e recurso extraordinário, é essencial que o tema tenha sido enfrentado e debatido pelo acórdão recorrido.

O requisito tem fundamento também nas Súmulas n.º 282 e 356 do STF, que regulam a matéria no Excelso Pretório e assentam,respectivamente, que “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada” e que “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

O STJ também registra essa compreensão na Súmula n.º 211, que dispõe que é “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.De acordo com a referida Súmula, a despeito da oposição de embargos declaratórios, se a matéria não é decidida pelo Tribunal de Origem, não há que se falar em prequestionamento.

E quando a parte questiona determinada matéria nas razões recursais, mas, no acórdão,o tribunal a quo, deixa de enfrentar o tema invocado?

Nesses casos, verificando-se vício no julgado recorrido, a parte recorrente deve opor embargos de declaração, dito prequestionadores, para que o tribunal enfrente a questão omitida na decisão recorrida. Se a parte suscitar determinada questão e, apesar disso, o Tribunal não tiver decidido, se o decisum recorrido não tiver analisado a matéria, não haverá prequestionamento.

Referidos embargos, todavia, não podem trazer à tona matéria que se questione pela primeira vez. Reforça-se, o STF e o STJ exigem, para a admissão do recurso excepcional, que a questão objeto do recurso tenha sido versada na decisão recorrida. E caso o Tribunal de Origem continue a não enfrentar a questão,rejeitando os declaratórios, há prequestionamento ou não?

O prequestionamento somente se verificará caso o Tribunal recorrido tenha se omitido sobre ponto a respeito do qual estava obrigado a se manifestar. Essa afirmação pode ser feita, principalmente, à luz do art.1.025do CPC, que elucida que “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.O dito prequestionamento ficto.

Na jurisprudência do STF, antes mesmo do art. 1.025 do CPC o entendimento já era no sentido de que o ponto omitido pelo acórdão recorrido, desde que opostos embargos de declaração e diante da recusa da instância de origem em se manifestar a respeito, é passível de apreciação no recurso extraordinário, sem a necessidade de arguição de nulidade do acórdão. Tanto que a Súmula n.º 356 do STF, interpretada a contrario sensu, permitia o entendimento de que havia prequestionamento ficto em virtude da oposição dos declaratórios, mesmo órgão jurisdicional permanecendo omisso e não emitindo manifestação sobre a questão federal constitucional.

Essa é a compreensão, por exemplo, assentada pela 1ª Turma no STF na decisão no RE 210.638, de Relatoria do Min. Sepúlveda Pertence[1].

O STJ, ao contrário, sempre foi reticente ao prequestionamento ficto. Por isso, consolidou seu entendimento na Súmula n.º 211 do STJ, vedando a hipótese peremptoriamente. Após o advento do art. 1.025 do CPC, o STJ vem entendendo que, para que possa considerar a completude do prequestionamento ficto, é preciso que o recorrente tenha, no recurso especial, apontando violação ao art. 1.022 do CPC[2].

Além disso, recentemente, por meio de sua 2ª Turma, no AREsp 2.222.062, o STJ esclareceu que o texto do artigo 1.025 do CPC não invalidou o enunciado da Súmula n.º 211. No voto condutor do acórdão, o Ministro Francisco Falcão assentou que para que o art. 1.025 do CPC seja aplicado, e permita-se o conhecimento das alegações da parte recorrente, é necessário não só que haja a oposição dos embargos de declaração na Corte de origem (Súmula n.º 211 do STJ) e indicação de violação do art. 1.022 do CPC, no recurso especial[3], mas que a matéria seja: i) alegada nos embargos de declaração opostos, ii) devolvida a julgamento ao Tribunal a quo e, iii) que seja relevante e pertinente com a matéria controvertida[4].

De todo modo, não podemos nos esquecer que os recursos extraordinários visam discutir apenas questões jurídicas, de cunho constitucional e, o recurso especial, de direito federal infraconstitucional.

Assim, sejam ou não acolhidos esses embargos,o Tribunal Superior deve considerar que a matéria está prequestionada desde que o tema já tenha sido objeto de pronunciamento do órgão jurisdicional inferior e se trate de questão eminentemente jurídica, que diga respeito à discussão sobre a aplicabilidade, ou não, de uma regrajurídica a determinado quadro fático(questão subsuntiva) ou que diga respeito à mera intepretação da letra do dispositivo.

Isso porque o art.1.025 do CPC é restrito à questão exclusivamente de direito, que não impõe aos Tribunais Superiores analisar ou reexaminar elementos fático-probatórios. A discussão sobre a ocorrência, ou não, do fato consisteem questão fática, que, por isso, não se submete aos recursos especial e extraordinário, mesmo que tenha sido objeto de embargos declaratórios.Nessa hipótese, a parte deverá interpor o recurso especial ou extraordinário, arguindo nulidade do julgamento por deficiência na prestação jurisdicional.[5]

Para mais, o STF e o STJ também compreendem que para a configuração do prequestionamento, é desnecessária a referência expressa ao dispositivo da legislação federal constitucional ou infraconstitucional. O que se afigura decisivo é a existência de efetiva decisão sobre a questão jurídica (causa decidida), com ou sem a menção ao dispositivo.[6][7]

É suficiente que a questão infraconstitucional federal ou constitucional tenha sido ventilada pelo acórdão da Instância Inferior, de forma que se a parte não questionar previamente, mas o tema surgir na decisão, será cabível o recurso especial ou o recurso extraordinário, bastando que o Tribunal de Origem tenha emitido juízo de valor sobre matéria.

Outro ponto importante, por fim, é a hipótese de haver divergência e voto vencido na decisão recorrida. O art. 941, § 3º, do CPC considera o voto vencido como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento. O voto vencido pode conter o enfrentamento de uma questão jurídica que não conste do voto vencedor, como também pode contemplar registro fático que não tenha sido feito no voto prevalecente; nesta hipótese, o retrato fático do acórdão é o somatório das descrições fáticas feitas em cada um dos votos. Isso, efetivamente, beneficia as partes na interposição dos recursos excepcionais.

Por tudo quanto dito, de forma sucinta,podemos dizer que o prequestionamento deve ser encarado não exatamente como mero questionamento feito pelas partes, mas sim como o pronunciamento, na decisão recorrida, sobre a questão objeto do recurso. Há prequestionamento desde que a matéria tenha sido decidida ou, não tendo sido decidida, que tenha sido objeto de embargos de declaração pelas partes, para que o tribunal enfrente a questão omitida na decisão recorrida. Na hipótese de rejeição dos declaratórios, haverá prequestionamento ficto para questão eminentemente jurídica. E se a omissão disser respeito a fato dependente de prova, o recurso excepcional deverá arguir nulidade do julgamento por negativa de prestação jurisdicional.

Beatriz Bellinaso

Advogada. Sócia do escritório Simpliciano Fernandes & Advogados. Atua principalmente na área trabalhista, em Tribunais Regionais do Trabalho e nos Tribunais Superiores. 


[1] STF, RE 210.638, 1a T, j. 14/04/1998, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19/06/1998.

[2] Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.934.602/SP, 4a T, j. 27/06/2022, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 01/07/2022; STJ, AgInt no AREsp 1.832.913/RJ, 3a T, j. 30/05/2022, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 02/06/2022; STJ, AgInt no AREsp 2.034.651/RS, 4a T, j. 26/04/2022, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 04/05/2022; STJ, AgInt no REsp 1.885.901/SC, 1a T, j. 23/02/2021, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 09/03/2021.

[3] REsp n. 1.764.914/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8/11/2018, DJe 23/11/2018

[4] STJ, Edcl no AREsp. Nº 2.222.062/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 21.08.2023

[5] Nesse sentido: STJ, REsp 1.670.149/PE, 1a T, j. 13/03/2018, Rel. MinistraRegina Helena Costa, DJe 22/03/2018; STJ, REsp 1.809.141/SP, 2a T, j. 25/06/2019, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe01/07/2019; STJ, AgInt no AgInt no REsp 1.919.078/SP, 1a T, j. 19/10/2021, Rel. Ministra ReginaHelena Costa, DJe 26/10/2021; STJ, AgInt no REsp 1.869.492/PE, 2a T, j. 08/02/2021, Rel. Min. Francisco Falcão,DJe 12/02/2021; STJ, AgInt no REsp 1.805.623/SP, 1a T, j. 17/06/2019, DJe 26/06/2019.

[6] Nesse sentido: STF, ARE1.318.378, j. 27/05/2021, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 01/06/2021; STF, ARE 713.338 AgR, 2a T, j.26/02/2013, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 11/03/2013; STF, RE 361.341 ED, 1a T, j. 01/03/2005, Rel.Min. Sepúlveda Pertence, DJe 01/04/2005.

[7]Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.169.663/RS, 6a T, j. 15/03/2012, rel. Ministra Maria Thereza deAssis Moura, DJe 02/04/2012; STJ, REsp 1.390.617/SC, 5a T, j. 18/06/2014, rel. Ministra Laurita Vaz, DJe 01/07/2014); STJ, AgInt no REsp 1.517.416, 1a T, j. 01/03/2021, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 04/03/2021.

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