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Prequestionamento e os fatos que não dependem de prova

Os artigos publicados anteriormente evidenciam que o prequestionamento é uma exigência que se extrai das hipóteses de cabimento dos recursos de natureza extraordinária, essencial para o exame da matéria pelo Tribunal Superior.  

          A par disso, o que se tem é que, em regra, as questões jurídicas, de subsunção do fato à norma, sobre as quais o recurso baseia, só são possíveis de análise pela instância extraordinária se a instância anterior houver emitido pronunciamento sobre elas, possibilitando, assim, que haja o exame da matéria sob o viés apresentado pela parte recorrente. Isso se deve ao fato de que os recursos de natureza extraordinária não permitem o reexame de fatos e provas (Súmulas n.º 279 do STF, n.º 7 do STJ e n.º 126 do TST), como já dito em outras abordagens.

No entanto, a legislação processual vigente elenca algumas questões sobre as quais não se exige a produção de prova para que possam ser analisadas pela instância superior.

          Antes de adentrar no conceito dos fatos que independem de prova, convém ressaltar que a existência de omissão no julgado com relação a uma questão jurídica essencial ao deslinde da controvérsia enseja a oposição de embargos de declaração.  É ônus da parte interessada demonstrar a omissão de pronunciamento. Não sanado o vício, há prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC).  Essa providência vale, também, para as questões jurídicas em torno dos fatos que independem de provas.

           Pois bem, O Código de Processo Civil de 2015 – CPC/2015, em seu art. 374, disciplina que não dependem de prova os fatos: i) notórios; ii) afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; iii) admitidos no processo como incontroversos, e; iv) em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Com efeito, a existência de tais fatos na lide permite que o julgador, ao analisar a questão controvertida, os considere como presentes, ainda que não exista comprovação explícita sobre eles.

O fato notório é o fato evidente, efetivamente ocorrido, notável por todos, inclusive pelo juiz. Nessa linha, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini (2016, p.243) qualificam o fato notório como sendo aquele “cujo conhecimento faz parte da cultura normal de um determinado círculo social ao mesmo tempo em que ocorre o julgamento”.

Para o TST, por exemplo, um fato que pode ser considerado notório é o desgaste de veículo próprio utilizado pelo empregado no desempenho de suas atividades relacionadas ao contrato de trabalho, de forma que cabe ao empregador indenizá-lo pela degradação ao seu patrimônio (TST – RR: 0000885-19.2019.5.10.0010, Relator: Alberto Bastos Balazeiro, Data de Julgamento: 13/03/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 15/03/2024).

Ainda nessa linha dos fatos notórios, importante trazer à baila que os feriados nacionais são considerados fatos notórios, o que dispensa sua comprovação no ato da interposição do recurso como forma de comprovar a tempestividade do recurso. Em contrapartida, os feriados locais necessitam de comprovação.

 Nesse sentido, o STJ já fixou entendimento de ser imprescindível que a parte comprove, por meio de documento oficial ou certidão do próprio tribunal, a ocorrência de feriado local, recesso, paralização ou interrupção de expediente forense (AgInt nos EDcl no AREsp 1.553.768/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 27.4.2020; AgInt nos EDcl no AREsp 1.379.051/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 3.10.2019).

Os fatos afirmados por uma parte e confessados pela outra são os fatos confirmados como verdadeiros pela parte sobre a qual tal fato se volta. Já os fatos incontroversos são aqueles suscitados por uma parte e não impugnados pela outra, ou seja, não há qualquer oposição em face deles.

Especificamente sobre os fatos incontroversos, é importante mencionar que cabe ao Réu da ação, por força dos arts. 336 e 341 do CPC/2015, alegar toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor, incumbindo-lhe, ainda, manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial. As alegações não impugnadas presumem-se verdadeiras, ou seja, tornam-se incontroversas (art. 374, III, do CPC). 

Nessa toada, registra-se que o TST já consolidou o entendimento no sentido de que “a vedação de revolvimento de fatos e provas, requisitos indispensáveis à admissibilidade dos recursos de natureza extraordinária, nos termos das Súmulas 126 e 297/TST, não alcançam fatos incontroversos no processo” (E-ED-RR – 70600-06.2004.5.02.0461, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT de 27/4/2018).

Ademais, é relevante apontar que, na seara trabalhista, o desconhecimento de fatos pelo preposto resulta em confissão ficta à parte ré, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial, sobre os quais não haja prova em contrário (art. 843, §1º, da CLT. TST). Nesse sentido: Ag-AIRR 20009-79.2013.5.04.0522, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma, DEJT 13/11/2020).

Por fim, os fatos que possuem presunção legal de existência ou de veracidade são os confirmados pela própria legislação, podendo ser iuris et de iure (presunção absoluta de veracidade, sem admissão de prova contrária) ou iuris tantum (presunção relativa/condicional de veracidade, com possibilidade de prova contrária).

Um exemplo de presunção legal relativa dos fatos é a revelia, situação que possibilita à parte sobre a qual se recaiu à revelia a comprovação em sentido contrário do que fora alegado.

Todas essas questões tratadas no art. 374 do CPC, como visto, permitem que o julgador as considere como existentes na lide. Isso não implicará em reexame de fatos e provas.

O que se conclui, assim, é que não obstante exista a necessidade de prequestionamento, com registro dos fatos objeto de insurgência, o que decorre da vedação do reexame de fatos e provas pela instância extraordinária, há fatos que, por força da legislação (art. 347 do CPC) podem ser considerados pelo julgador ainda que não estejam expressamente consignadas na decisão recorrida.

Autora:

LORENA TEIXEIRA

Advogada. Sócia do escritório Simpliciano Fernandes & Advogados. Atua principalmente no Tribunal Superior do Trabalho e em Tribunais Regionais do Trabalho do país. Possui experiência em sustentação oral e despacho de memoriais. Atua na primeira instância, acompanhando audiências em varas do trabalho.

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