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A vedação ao reexame de provas nos recursos de natureza extraordinária.

Um aspecto processual de suma importância no contexto dos recursos de natureza extraordinária consiste na vedação ao reexame de provas. Não raramente se escuta que não se pode interpor recurso para os Tribunais Superiores com a pretensão desse reexame.

Evidenciando a importância do assunto, as cortes superiores brasileiras consolidaram esse entendimento em verbetes jurisprudenciais que são responsáveis pela inadmissibilidade de grande parte dos recursos.

O Supremo Tribunal Federal, já no ano de 1963, editou a Súmula nº 279, segundo a qual “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

O Superior Tribunal de Justiça, em 1990, nos primeiros anos de vigência da Constituição de 1988 e da competência que lhe foi atribuída para julgamento de recurso especial, editou a Súmula nº 7: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

Já o Tribunal Superior do Trabalho editou, em 1981, a Súmula nº 126, asseverando que é “Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, “b”, da CLT) para reexame de fatos e provas”.

Porém, a compreensão da aplicabilidade dessa regra muitas vezes não é clara, sobretudo em virtude das singularidades e variabilidades dos casos concretos. Fundamental, por isso, que se compreenda, com exatidão, a origem da vedação ao reexame de provas, suas implicações práticas e de que maneira os advogados devem lidar com essa regra.

Os arts. 102, III, e 105, III, da Constituição de 1988 preveem específicas hipóteses de cabimento para os recursos extraordinário e especial, o que acontece, também, com o recurso de revista, segundo a disciplina do art. 896 da CLT.

Todas essas hipóteses dizem respeito à resolução de questões jurídicas, isto é, sobre a interpretação de dispositivos ou sua aplicabilidade em determinada hipótese fática. Por quê? Porque apenas as questões com essa natureza têm o condão de prejudicar a unidade interpretativa do direito federal e, consequentemente, o pacto federativo em torno da legislação federal. Somente essas questões, que envolvem juízos universais, interessam aos jurisdicionados de modo geral e, assim, possuem dimensão de importância que extrapola os interesses das partes do processo.

Não se pode perder de vista, aqui, como explicamos no artigo intitulado “Recursos Extraordinários: (RE, REsp e RR): Aspectos Gerais e Cabimento”, que a função dada aos Tribunais Superiores pelo ordenamento jurídico brasileiro é a de zelar pela unidade interpretativa da legislação federal, julgando questões importantes para a harmonia jurisprudencial em torno da legislação federal e, assim, para a integridade da Federação.

Somente às partes de uma lide específica interessam as questões de natureza fática, que dizem respeito a saber se determinado fato foi, ou não, comprovado ou, ainda, de que maneira aconteceu; o juízo, nestes casos, é específico e singular. Uma vez assentadas as circunstâncias fáticas do caso, a partir das provas dos autos, aí, sim, poderá surgir uma questão jurídica subsuntiva que interesse a coletividade. Na discussão sobre se determinado dispositivo da legislação federal se aplica, ou não, a um contexto fático certo, a solução da controvérsia teria importância para dirimir conflitos entre outros jurisdicionados em situação fática idêntica ou análoga.

Por exemplo, somente às partes A e B de determinado processo importa saber se o fato X aconteceu e foi provado. Porém, uma vez provado o fato X, é possível que a coletividade (que possivelmente abrange jurisdicionados em cujas relações tenham ocorrido o fato X ou um análogo), de modo geral, tenha interesse em saber se esse fato X, à luz dos dispositivos do Código Civil acerca da responsabilização civil, configura dano moral e enseja dever de indenização.

Daí se conclui, em linhas gerais, que, na prática, os recursos excepcionais não são cabíveis para discutir se determinado fato foi provado, pois aí seria imprescindível que os Tribunais Superiores, para solucionar a questão, examinassem as provas dos autos, o que, como explicado, não é permitido. Por outro lado, são cabíveis para debater o enquadramento jurídico de determinado fato cuja prova é certa, não discutida, o que se tem chamado na jurisprudência de revaloração jurídica dos fatos.

Vejam-se, nesse sentido, os seguintes acórdãos:

“Acerca da suposta afronta ao verbete da Súmula nº 279/STF, reitero que o reexame de provas é providência incabível em sede de recurso extraordinário. Contudo, a jurisprudência desta Corte admite a valoração de fatos reconhecidos pelas instâncias inferiores.

[…]

Quanto ao argumento do agravante de que o recurso não deve ser admitido, em razão do conteúdo do Verbete Sumular nº 279 do Supremo Tribunal Federal, não tem razão.

Há de se distinguir, com precisão, reexame de prova e revaloração de prova, sobretudo porque, conforme demonstrado, esta Corte já decidiu que a revaloração da prova e o reenquadramento jurídico dos fatos não se confundem com o revolvimento de suporte fático-probatório, sendo plenamente franqueados aos tribunais superiores. No caso, a decisão ora impugnada não adentrou o mérito da ação, que deve ser, evidentemente, analisado pelo juiz da causa. A conclusão a respeito da omissão em que incorreu o acórdão estadual demandou somente o exame das circunstâncias jurídicas delineadas no recurso extraordinário, que, ao contrário do alegado pelo agravante, tratou de impugnar o acórdão combatido, demonstrando a violação constitucional e a repercussão geral do tema (eDOC 20, p. 4-16). Assim, da leitura do acórdão impugnado no apelo extraordinário é possível concluir pela ausência da análise integral do conjunto das mensagens postadas pelo agravante, não sendo necessário qualquer revolvimento fático-probatório para tanto”.

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA DE ACORDO COM AS PREMISSAS FÁTICAS ESTABELECIDAS NA SENTENÇA E NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NOVO ENQUADRAMENTO JURÍDICO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A decisão agravada adotou como verdadeiras todas as premissas fáticas estabelecidas no acórdão recorrido em conjunto com a sentença reformada, dando novo enquadramento jurídico aos fatos delineados. Tal operação não envolve reexame de provas, conforme jurisprudência pacífica desta Corte. Incidência da Súmula 7 do STJ afastada. Precedentes.

2. Apesar de o órgão colegiado ter chegado à conclusão de não estar configurada a relação de dependência econômica entre a genitora e o falecido servidor, os fundamentos utilizados não foram idôneos para afastar o direito ao benefício.

3. Não é requisito para o recebimento da pensão por morte, prevista no art. 217, V, da Lei n. 8.112/1990, a prova do estado de pobreza ou miserabilidade.

4. A relação de dependência pode ser comprovada através de relatos testemunhais, como ocorreu no caso em epígrafe, em que o Juízo de piso entendeu que essas provas convergiram para a comprovação da dependência econômica.

5. O fato de a inclusão como dependente do de cujus em plano de saúde e perante o Fisco decorrer de iniciativa unilateral também não é suficiente para descaracterizar a dependência econômica, notadamente quando tais circunstâncias são somadas a outros elementos probatórios, tais como o auxílio financeiro mensal e a compra de itens para o lar.

6. Agravo interno a que se nega provimento”.

“2. Inaplicável, à hipótese, o óbice da Súmula n. 126 do TST, pois o provimento do recurso de revista se deu sem a necessidade de reexame de fatos e provas. 3. Como se observa do acórdão regional e, até mesmo da transcrição constante da decisão ora agravada, o Tribunal Regional registrou expressamente que o autor executava, diariamente, por 5 a 10 minutos, o reabastecimento de empilhadeiras com GLP, pressuposto fático utilizado para a reforma do acórdão regional. 4. Logo, é evidente que não houve reexame de fatos e provas, mas simples reenquadramento do conteúdo fático probatório registrado pela Corte Regional”.

O advogado que pretenda interpor recurso de natureza extraordinária precisa, assim, verificar se a discussão que deseja submeter ao Tribunal Superior versa sobre a ocorrência de um fato ou sobre, tão somente, o enquadramento jurídico dele. No exemplo dado: se o debate disser respeito a verificar se o fato X foi provado nos autos, o recurso será incabível; se, diferentemente, não houver dúvida quanto à prova do fato X e o debate for sobre se ele configura dano moral e enseja indenização, aí, sim, o recurso poderá ser cabível.

É importante que se tenha em mente, também, que se o recurso tiver como objetivo promover uma discussão jurídica de subsunção da norma aos fatos – enquadramento jurídico daquele fato cuja prova não se discute –, a exigência de prequestionamento contemplará o elemento fático. O requisito do prequestionamento já foi objeto de abordagem nos artigos “O prequestionamento no STJ e no STJ” e “O prequestionamento no TST”, veiculados em nosso site.

Fundamental, portanto, para fins de prequestionamento, que na fundamentação da decisão recorrida haja solução da questão jurídica em torno desse fato.

Nesse sentido:

“4. A despeito da falta de prequestionamento dos dispositivos da Lei 9.784/1999 apontados como violados, o recurso especial não poderia ser conhecido, pois o acolhimento da tese de que a referida decisão judicial ressalvara à recorrente a apresentação de EIA/RIMA para fins de regularização da atividade demandaria exames de fatos e provas – providência vedada na presente via, nos termos da Súmula 7/STJ -, pois não consta do acórdão recorrido menção a respeito desse fato.”

Caso contrário, a parte, representada por seu advogado, deverá adotar técnicas processuais específicas para viabilizar a recorribilidade.


Autor:
José Marcelo Fernandes
Advogado. Sócio do escritório Simpliciano Fernandes & Advogados. Atua preponderantemente em tribunais, em especial nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho.

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  1.  STF, ARE 1347443 AgR, 2ªT, j. 29/05/2023, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 18/07/2023.
  2.  STJ, AgInt no AREsp 1426847/RS, 2ªT, j. 22/06/2020, rel. Min. Og Fernandes, DJe 30/06/2020.
  3.  STJ, AgInt no AREsp 1426847/RS, 2ªT, j. 22/06/2020, rel. Min. Og Fernandes, DJe 30/06/2020.
  4.  STJ, REsp 1771981/SP, 2 ª T, j. 22/09/2020, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 25/09/2020.

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